Por Denise Braz.

Falar de escravidão no Brasil é falar sobre a história da minha própria família, porque minha bisavó e mina avó foram escravizadas. É um passado realmente recente que marca a vida da maioria dos afrodescendentes do país. Afinal, a abolição formal aconteceu no dia 13 de Maio de 1888. Em apenas 132 anos atrás. “Parece que a abolição no Brasil aconteceu ontem”, mina avó costumava dizer. Sempre que podia, destacava que meus primos e eu éramos a terceira geração “livre”. Fazendo as aspas com os dedos.  

A escravidão no Brasil terminou em 1888, mas nas zonas rurais tardou mais de 30-40 anos para finalizar definitivamente. A informação não chegava tão rápido e fácil, especialmente esse tipo informação. Minha avó foi escravizada e creio que aconteceu o mesmo com seus irmãos e irmãs. A verdade é que eles/as estiveram trabalhando para famílias brancas em troca de nada ou de muito pouco com a desculpa de que seriam “cuidados” por essas mesmas famílias. O nome disso não é outro que escravidão. Sejamos realistas. Trocar o quartinho de empregada e umas refeições por trabalho doméstico é escravidão. 

Não sei se minha avó e seus irmãos foram batizados antes ou depois de cada um/uma viver separados uns dos/as outros/as. Na época colonial e pós-colonial era muito comum que as pessoas negras tivessem seus sobrenomes trocados ou que recebessem sobrenomes de seus colonizadores brancos/as. Dos 05 ou 07 irmãos e irmãs que minha avó pôde haver tido minha avó só teve contato com uma irmã. Infelizmente ela nunca mais teve contato ou qualquer tipo de informação dos demais. Minha avó faleceu no dia 03 de setembro desse ano. Ela passou sua vida com esperança de reencontrar algum dia um/uma de seus/suas irmãos/irmãs.

Cabe destacar que antigamente, especialmente no campo, a certidão de batismo valia como certidão de nascimento, afinal, em zonas afastadas da cidade não era uma tarefa fácil aceder a cartórios. Por isso, acredito que provavelmente minha avó e seus irmãos/ãs foram registras no mesmo dia, se isso aconteceu, todos receberam os mesmos sobrenomes, o que facilitaria buscar pistas. Porém, descobri que essa única irmã tinha outro sobrenome o que me sinaliza algumas possibilidades: 1. ela poderia ter recebido outro sobrenome ao ser batizada por outra família. 2. mudou, alterou ou agregou sobrenome/s ao casar-se ou 3. Ela mudou o sobrenome ou o tirou como aconteceu com a minha avó. Enfim, um quebra cabeça dos bons para tentar montar. E a história dos sobrenomes talvez seja uma das poucas informações que consegui tirar da minha avó sobre sua infância e juventude.

Eva Joana Braz, esse era o nome da minha avó. “Braz” é um sobrenome que ela odiava e raramente o mencionava. Com o tempo passou a não assiná-lo e conseguiu fazer até documentos sem esse sobrenome constando apenas “Eva Joana”.  Ela tentou registrar suas filhas com sobrenomes diferentes ou diretamente sem sobrenome, mas não conseguiu. Curiosamente nenhuma de suas filhas leva o sobrenome paterno. E sobre seu esposo e meu avô chamado Sebastião, não sei quase nada. A única coisa que sei dele foi que morreu muito jovem.  

Sobre meus avós paternos a desinformação é ainda pior. Sei muito pouco sobre eles. Creio que tampouco eles deviam ter muita informação para dar. Meu avô paterno não tinha sobrenome e consequentemente meu pai também não. É por isso que eu e meus irmãos levamos apenas o “Braz” como sobrenome. Estou obrigada a conviver com ele. O sobrenome de um colonizador que minha avó odiava. Às vezes sinto vontade de fazer como Malcolm X e colocar um “X” no lugar do meu sobrenome.  

Bom, lhes conto um fato triste que aconteceu com a minha avó. Segundo ela, um dia percebeu que faltava dinheiro no pagamento por seus serviços domésticos. Quando ela reclamou para a mulher branca para quem trabalhava, a mulher, sem dizer uma palavra, entrou em sua casa e pegou um chicote e bateu na minha avó. Depois desse acontecimento, minha avó deixou de trabalhar em e para casas de famílias e começou a vender verduras, criar e vender a carne de galinhas e porcos também. Ela teve uma vaca e começou a vender alguns produtos lácteos.  Em especial queijo e manteiga.

Depois que suas filhas cresceram, ela aprendeu a ler e a escrever, praticamente sozinha. Foi co-fundadora da associação de moradores do bairro, de uma Creche e o primeiro movimento de mulheres do bairro e da cidade. Foi ativista contra a ditadura militar e inclusive foi presa por isso. Ops! “Presa” não! “Detida e impedida de reivindicar seus direitos” como ela insista em dizer. Para ela não havia nada mais importante que lutar por um Estado democrático de direito.

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Foto de Denise Braz 

Minha avó foi um grande exemplo na mina vida. Sempre curiosa e interessada em aprender e ler o que ela encontrava na frente. Motivada por sua coragem, nunca deixei de estudar. Fui a primeira integrante da família a ingressar na universidade, a fazer um mestrado, realizado na Universidade de Buenos Aires, Argentina; e agora, ingressei no programa de doutorado na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Vale lembrar que graças às políticas públicas para afrodescendentes outros membros da minha família puderam aceder a Universidade. 

Por mais que recebemos um legado terrível da escravidão, também recebemos como legado a coragem e a resistência dos nossos ancestrais. Minha avó foi um grande exemplo não só para mim, mas com certeza para outras pessoas. Ela nunca desistiu de viver.  Sempre lutou para trazer prosperidade para sua família, seus vizinhos e para ela mesma, sob todas as circunstâncias contrarias. 

O contexto político e sua condição social não a limitaram, nem a intimidaram em nada. A vida dura que teve tentou tirá-la a própria sorte. Mas ela mostrou a vida quem é que mandava nas decisões e no seu destino. Minha avó, Eva Joana, uma mulher, negra, pobre, semi-analfabeta, doou a sua vida em prol da emancipação das mulheres negras e pobres. Isso minha gente, é dar a si mesma a tão sonhada liberdade. É apoderar-se dela. Isso é empoderamento, como chamamos hoje em dia. Se isso não for empoderamento, então não sei o que seria. 

Em memória de Eva Joana 

Nascimento: 08/02/1929 (Ou entre 1921-1922)

Falecimento 03/09/2020

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EMPODERAMIENTO ES, A VECES, LA ÚNICA MANERA DE SOBREVIVIR 

Por Denise Braz.

Hablar sobre la esclavitud en Brasil es hablar sobre la historia de mi propia familia, pues mi bisabuela y mi abuela fueron esclavizadas. Es un pasado realmente cercano que marca la vida de la mayoría de los afrodescendientes del país. Puesto que la abolición formal ocurrió el 13 de Mayo de 188, tan solo 132 años atrás. «Parece que la abolición en Brasil hubiera ocurrido ayer», mi abuela solía decir. Siempre que podía, remarcaba que mis primos y yo éramos la tercera generación “libre”. Hacia las entre comillas con los dedos.

La esclavitud en Brasil finalizó en 1888 pero en las zonas rurales tomó más de 30-40 años para finalizar definitivamente. La información no llegaba tan rápido y fácil, sobretodo esa información. Mi abuela fue esclavizada y creo le que pasó lo mismo a sus hermanos y hermanas. La verdad es que ellos estuvieron trabajando para familias blancas a cambio de nada o de muy poco con la excusa de que serían “cuidados” por esas mismas familias. Y el nombre de eso no es otro que esclavitud. Seamos realistas. Cambiar el cuartito de empleada y unas comidas por trabajo doméstico es esclavitud. 

No sé si mi abuela y sus hermanos fueron bautizados antes o después de que vivirán por separado. En la época colonial y pos-colonial era muy común que las personas negras tuvieran sus apellidos cambiados o que recibieran apellidos de sus colonizadores blancos/as. De 06 o 07 hermanos y hermanas que mi abuela puede haber tenido, mi abuela solo tuvo contacto cercano con una hermana. Infelizmente ella nunca más tuvo contacto o cualquier tipo de información de los demás.  Mi abuela falleció en día 03 de septiembre de ese ano. Ella pasó su vida con esperanzas de reencontrar algún día sus hermanos y hermanas. 

Cabe destacar que antiguamente, especialmente en el campo, el documento de bautismo valía como una partida de nacimiento, a final, en zonas apartadas de la ciudad no era una tarea fácil acceder a los registros civiles. Por eso, acredito que probablemente mi abuela y sus hermanos y hermanas fueron registrados/as en el  mismo día, si eso sucedió, todos deberían haber recibido los mismos apellidos, lo que facilitaría buscar pistas. Sin embargo, me enteré  que esa única hermana tenía otro apellido y eso me señala algunas posibilidades: 1. ella podría haber recibido otro apellido al ser bautizada por otra familia, 2. Lo ha cambiado, alterado o le ha agregado apellidos al casarse o, 3. Ella cambió el apellido o lo sacó directamente como hizo mi abuela. En fin, un rompe cabezas de los buenos para intentar montarlo. Y la historia de los apellidos quizás sea una de las pocas informaciones que logré sacar de mí abuela sobre su niñez y su juventud. 

Eva Joana Braz, ese era el nombre de mi abuela. “Braz” es un apellido portugués que ella odiaba y raramente lo mencionaba. Con el tiempo pasó a no firmarlo y hasta logró hacer documentos sin ese apellido, constando apenas “Eva Joana”. Intentó registrar a sus 5 hijas con distinto apellido o directamente sin, pero no pudo. Curiosamente ninguna de sus hijas lleva el apellido paterno Y sobre su esposo y mi abuelo llamado Sebastião, no sé casi nada. Lo único que sé de él es que falleció joven. 

Sobre mis abuelos paternos la desinformación es aún mayor. Yo sé muy poca cosa sobre ellos. De hecho, sé muy poco de ellos.  Creo que tampoco deberían tener mucha información para dar. Mi abuelo paterno no tenía apellido en consecuencia mi padre tampoco. Es por eso que yo y mis hermanxs llevamos solo el “Braz” como apellido. Estoy obligada a convivir con él. El apellido de un colonizador que mi abuela odiaba. A veces siento ganas de hacer como Malcolm X y poner una «X» en lugar de mi apellido. 

Bueno, les cuento un hecho triste que le aconteció a mi abuela. Según ella, un día percibió que faltaba dinero en la paga por sus servicios domésticos. Cuando ella reclamó a la mujer blanca para quien trabajaba, la mujer, sin decir una palabra, entró a su casa, tomó un látigo y azotó a mi abuela.
Luego de aquel acontecimiento, dejó de trabajar como doméstica para familias blancas y comenzó a vender vegetales, criar y vender la carne de gallinas y cerdos también. Tuvo una vaca y comenzó a vender productos lácteos. En particular, queso y manteca. 

Luego de que sus hijas crecieran, ella aprendió a leer y escribir. Ella fue co-fundadora de la asociación barrial, una guardería y del primer movimiento de mujeres del barrio y la ciudad. Fue activista contra la dictadura militar e incluso fue arrestada por eso. Ops! “Arrestada” no! “Detenida e impedida de reivindicar sus derechos” como ella misma insistía en decir: Para ella no había nada más importante que luchar por un Estado democrático de derecho. 

Mi abuela fue un gran ejemplo en mi vida. Siempre curiosa, interesada en aprender y leer lo que tenía enfrente. Motivada por su coraje, nunca dejé de estudiar. Fui la primera integrante de la familia en asistir a la universidad, en tener una maestría, realizada en la Universidad de Buenos Aires, Argentina y ahora, ingresé en el programa de doctorado de la Universidad del Texas, EEUU. Me gustaría destacar que gracias a las políticas públicas para afrodescendientes, otras personas de mi familia pudieron acceder a estudios universitarios. 

Si bien que por un lado hemos recibido un legado terrible por parte de la esclavitud, por otro hemos recibido un legado de coraje e de resistencia de nuestros/as ancestrales. Mi abuela fue un gran ejemplo no solo para mí, pero con certeza, para otras personas más. Ella nunca desistió de vivir. Siempre luchó para traer prosperidad a su familia, su vecindario y para ella misma, bajo todas las circunstancias contrarias. 

El contexto político y su condición social no la limitaron, ni intimidaron en nada. La vida dura que tuvo, intentó arrojarla a su propia suerte. Pero ella le mostró a la vida quien estaba a cargo de las decisiones que estaba tomando y en su destino.  Mi abuela, Eva Joana, una mujer, negra, pobre, cuasi-escolarizada, dio su vida en pos de la emancipación de las mujeres negras y pobres. Eso es darse a sí misma la tan soñada libertad. Es apoderarse de ella. Eso es empoderamiento, como decimos hoy en día. Si eso no es empoderamiento, entonces no sé que es. 

En memoria de Eva Joana

Nacimiento: 08/02/1929 (O entre 1921-1922)

Falecimento 03/09/2020

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