
Imagem: Maria Sabato
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Argentina, mi amor.
Terra de alfajores, de Diego Maradona, de Lionel Messi, das equipes mais vencedoras e que mais descabelam os brasileiros na Copa Libertadores, terra do principal exemplo latino-americano de memória e punição aos crimes da ditadura (1966-1973), dos pañuelos (lenços) verdes que estão por toda parte, amarrados nas mochilas, bolsas e braços das argentinas, tornando impossível esquecer que a luta feminista está na ordem do dia nesse país, que está viva, dia após dia, a luta pela vida das mulheres e pelo direito de legislarmos sobre nosso próprio corpo.
Às vésperas do fim do infame 2020, a vitória no senado argentino é uma vitória da vida e da luta – para tantas de nós, crasso pleonasmo – sobre a imposição da morte e da deserção. Quando da votação na câmara dos deputados, na madrugada do dia 11 de dezembro, a deputada argentina de centro-direita Silvia Lospennato declarava: “Esta lei não é de nenhum presidente nem de nenhum governo. É mais uma vitória do movimento de mulheres!” (1). Não deixa de ter razão. Regando há anos todas as instâncias da vida social argentina, o movimento feminista – popular, horizontal e por certo heterogêneo – que pressionou Estado e estadistas com sua potência organizacional, não se furtaria de brotar também nos verdes campos do futebol.
Nesse terreno, o que significa o prestígio de Messi? Futebol é lugar para debater assuntos urgentes que dizem respeito às mulheres. Entre eles, inclusive, o mais polêmico, que envolve instituições políticas e religiosas, crenças e interesses tão inabaláveis quanto perigosos. Na Copa feminina de futebol de 2019, nossas hermanas já entoavam (2):
Olé olé
Olé olá
Olé olé
Olé olá
Le gambeteamos a la moral
Me cago en Messi
Que el aborto
¡Sea legal!
Olê olê
Olê olá
Olê olê
Olê olá
Driblamos a moral
Dane-se o Messi
Que o aborto
Seja legal!
Assim como as jogadoras brasileiras e de vários outros países latino-americanos e africanos, as argentinas têm de lidar não apenas com menores remunerações, investimentos e reconhecimento (em comparação com os homens), mas também, frequentemente, com péssimas condições de trabalho. Nos clubes, muitas vezes, elas sequer recebem salários para jogar (3). Na seleção, os baixíssimos incentivos de toda ordem deixaram-nas de fora do campeonato mundial por doze anos. Em 2019, no entanto, las pibas conseguiram voltar aos gramados da competição. Sua volta foi, como não poderia deixar de ser, a ocasião para colocar em jogo a pelota da política. Elas cantaram nos estádios e nas ruas:
Somos la gloriosa banda de feministas
La que hizo el pañuelazo
La que banca a las pibas
A pesar de los machos
De la falta de entradas
Les copamo’ el estadio
Nos movemo’ en manada
Nos movemo’ en manada
Somos a gloriosa trupe de feministas
Que fez o pañuelazo
Que torce pelas minas
Apesar dos machos
Da falta de entradas
Ocupamos os estádios
Nos movemos em manada
Nos movemos em manada
Nessa canção, é reivindicado o pañuelazo, que, ao lado das Madres de la Plaza de Mayo (4), movimento encabeçado por mães e parentes de pessoas desaparecidas na ditadura militar, é um grande símbolo atual da luta das mulheres argentinas. Nessa letra, também, a tentativa pacífica de convencer os homens sobre a necessidade do que quer que seja dá lugar à estratégia política combativa e coletiva: “em manada”, elas vêm para ocupar o espaço que lhes diz respeito.
Enquanto no futebol masculino a figura do homem viril e heterossexual fomenta e legitima a homo-trans-fobia nos clubes e nos estádios (apesar de propagandas pontuais contra a violência), no futebol feminino a necessidade da conquista e defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+ está atualizada de modo inseparável da luta feminista. De hecho, os Encuentros Nacionales de Mujeres, que desde 1985 tomam ruas de cidades argentinas, passaram a chamar-se, nos últimos anos, Encuentros Plurinacionales de Mujeres, Lesbianas, Trans, Travestis, Bisexuales y No Binaries. Nossas vizinhas cantam juntas a cada partida:
Desde pendeja yo quiero jugar
Y me persigue el patriarcado
No se dan cuenta, ya van a entender
La pelota no tiene heteronorma
¡¡¡Vamo’ las pibas
Copando la canchita
Somos hermanas
Jugamos en manada!!!
Desde criança eu quero jogar
E me persegue o patriarcado
Não se dão conta, mas já vão entender
A bola não tem heteronorma
Vamos, meninas
Ocupando o gramado
Somos irmãs
Jogamos em manada!!!
Alguns dizem, em tom de reconhecimento e concessão à causa das mulheres: “Ora, deixem as meninas. Las pibas solo quieren jugar a la pelota”. Infelizmente para alguns, parece que las pibas querem muito mais do que isso… Elas não jogam por jogar e, como a incansável Mercedes Sosa, também não cantam por cantar.
Tampouco cantam sozinhas.
¡Adelante! ¡Vamos en manada!
(1) Laura Serra, “Diputados le dio media sanción a la legalización del aborto y ahora se define en el Senado. La Nación, 11 de dezembro de 2020. Disponível em: <https://www.lanacion.com.ar/politica/avanza-diputados-proyecto-legalizar-aborto-nid2536815>.
(2) Um cancioneiro do futebol feminino argentino pode ser encontrado na página do Coletivo La Tinta, no seguinte link: <https://latinta.com.ar/2018/11/cancionero-para-un-mundial-feminista/>.
(3) Cf. Stephany Afonso, “Jogadoras argentinas vivem luta histórica pela profissionalização no futebol”. Lance, 12 de março de 2019. Disponível em: <http://blogs.lance.com.br/toco-y-me-voy/jogadoras-argentinas-vivem-luta-historica-pela-profissionalizacao-no-futebol/
(4) No Brasil, também temos nossas Mães de Maio, um importante movimento social composto majoritariamente por mulheres. São mães e familiares de vítimas dos chamados “crimes de maio” de 2006, quando a polícia paulista, por ocasião do episódio conhecido como “ataques do PCC”, matou cerca de 500 civis, a grande maioria composta por jovens negros das periferias da cidade de São Paulo. O movimento tem como pautas de luta a memória, a verdade e a justiça com relação ao massacre, a desmilitarização da polícia e o combate à violência estatal. Cf. Maria Teresa Mhereb, “Reescrever a história dos mortos: doze anos dos crimes de maio”. Blog da Boitempo, 12 de maio de 2018. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2018/05/12/reescrever-a-historia-dos-mortos-doze-anos-dos-crimes-de-maio/>.
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Ellas no cantan sólo por cantar –Feminismo y canción en el fútbol argentino.
Texto y traducción: Maria Teresa Mehreb
Argentina, meu amor.
Tierra de alfajores, de Diego Maradona, de Lionel Messi, de los equipos más ganadores y que más desesperan a los brasileños en la Copa Libertadores, del principal ejemplo latinoamericano de memoria y ajuste de cuentas con la dictadura (1966-1973 ), de los pañuelos verdes que están por todas partes, atados en las mochilas, bolsos y brazos de las argentinas, haciendo imposible olvidar que la lucha feminista está a la orden del día en este país, que está viva, día a día, la lucha por la vida de las mujeres y el derecho a legislar sobre nuestros propios cuerpos.
En vísperas del final del infame 2020, la victoria en el Senado argentino es una victoria de la vida y de la lucha –para muchas de nosotras, un craso pleonasmo– sobre la imposición histórica de la muerte y la deserción. Al votar en la Cámara de Diputados en la madrugada del 11 de diciembre, la diputada de centroderecha Silvia Lospennato declaraba: “Esta ley no es de ningún presidente ni de ningún gobierno. ¡Es una conquista más del movimiento de mujeres!” (1). No deja de tener razón. Regando todas las instancias de la vida social argentina durante años, el movimiento feminista –popular, horizontal y ciertamente heterogéneo– que presionó al Estado y a los estadistas con su poder organizativo, no dejaría de brotar también en el verde césped del fútbol.
En ese terreno, ¿qué nos importa el prestigio de Messi? El fútbol es lugar para debatir temas urgentes que afligen a las mujeres. Entre ellos, el más controvertido, que abarca instituciones políticas y religiosas, creencias e intereses tan inquebrantables como peligrosos: el aborto. En el Mundial de fútbol femenino de 2019, nuestras irmãs ya estaban coreando (2):
Olé olé
Olé olá
Olé olé
Olé olá
Le gambeteamos a la moral
Me cago en Messi
Que el aborto
¡Sea legal!
Al igual que las jugadoras brasileñas y de varios otros países latinoamericanos y africanos, las argentinas tienen que enfrentarse no sólo con menores salarios, inversiones y reconocimiento (en comparación con los varones), sino también, frecuentemente, con pésimas condiciones de trabajo. En los clubes, a menudo ni siquiera se les paga por jugar (3). En la Selección, los bajísimos incentivos de todo tipo las dejaron fuera del Mundial por doce años. En 2019, sin embargo, las pibas lograran volver a las canchas de la competición. Su regreso fue, por supuesto, la ocasión de poner en juego la pelota de la política, y cantaron en los estadios y en las calles:
Somos la gloriosa banda de feministas
La que hizo el pañuelazo
La que banca a las pibas
A pesar de los machos
De la falta de entradas
Les copamo’ el estadio
Nos movemo’ en manada
Nos movemo’ en manada
En esta canción, se reivindica el pañuelazo, que junto a las Madres de la Plaza de Mayo (4), movimiento liderado por madres y familiares de personas desaparecidas durante la dictadura militar, es un gran símbolo actual de la lucha de las mujeres argentinas. Aquí, el intento pacífico de convencer a los varones sobre cualquier cosa le da lugar a la estrategia política combativa y colectiva: “en manada”, llegan para ocupar el espacio que les concierne.
Mientras que en el fútbol masculino la figura del hombre varonil y heterosexual fomenta y legitima la homo-trans-fobia en los clubes y los estadios (a pesar de los ocasionales anuncios contra la violencia), en el fútbol femenino la necesidad de conquistar y defender los derechos de las personas LGBTQIA+ se actualiza inseparablemente de la lucha feminista. Así, los Encuentros Nacionales de Mujeres, que desde 1985 han tomado anualmente las calles argentinas, han pasado a denominarse, en los últimos años, Encuentros Plurinacionales de Mujeres, Lesbianas, Trans, Travestis, Bisexuales y No Binaries. Nuestras hermanas cantan juntas en cada partido:
De pendeja yo quiero jugar
Y me persigue el patriarcado
No me importa un carajo, ya entiendes
La pelota no heteronorma
¡¡¡Vamos a las pibas
Copando la canchita
Somos hermanos
Jugamos en manada
Algunos dicen, en tono de reconocimiento y concesión a la causa de las mujeres: “Tranquilo, las pibas sólo quieren jugar a la pelota”. Desafortunadamente para ellos, parece que las pibas quieren mucho más que eso… No juegan por jugar y, como la incansable Mercedes Sosa, tampoco cantan sólo por cantar.
Y no cantan solas.
¡Adelante! ¡Las brasileñas vamos juntas en manada!
(1) Laura Serra, “Diputados le dio media sanción a la legalización del aborto y ahora se define en el Senado”. La Nación, el 11 de diciembre de 2020. Disponible en: <https://www.lanacion.com.ar/politica/avanza-diputados-proyecto-legalizar-aborto-nid2536815>.
(2) Se puede encontrar un cancionero del fútbol femenino argentino en la página del Colectivo La Tinta, en l enlace: <https://latinta.com.ar/2018/11/cancionero-para-un-mundial-feminista/>.
(3) Cf. Stephany Afonso, “Jogadoras argentinas vivem luta histórica pela profissionalização no futebol”. Lance, el 12 de marzo de 2019. Disponible en: <http://blogs.lance.com.br/toco-y-me-voy/jogadoras-argentinas-vivem-luta-historica-pela-profissionalizacao-no-futebol/>.
(4) En Brasil, también tenemos a nuestras Madres de Mayo (Mães de Maio), un importante movimiento social compuesto principalmente por mujeres. Son madres y familiares de víctimas de los llamados “crímenes de mayo” de 2006, cuando la policía de la provincia de São Paulo asesinó a cerca de 500 civiles, la gran mayoría de ellxs jóvenes negrxs de las periferias de la ciudad de São Paulo. El movimiento tiene como objetivos de lucha la memoria, la verdad y la justicia en relación a la masacre, la desmilitarización de la policía y el fin de la violencia estatal. Cf. Maria Teresa Mhereb, “Reescrever a história dos mortos: doze anos dos crimes de maio”. Blog da Boitempo, el 12 de mayo de 2018. Disponible en: <https://blogdaboitempo.com.br/2018/05/12/reescrever-a-historia-dos-mortos-doze-anos-dos-crimes-de-maio/>.