Por Camila Lima, da Periferia em Movimento

Artes: Rafael Cristiano. Edição de texto: Thiago Borges

Ir al artículo en español

O que é desenvolvimento? Na lógica capitalista, pode significar apagar o que existe e construir algo novo no lugar. E é contra isso que Maria Lúcia de Oliveira Sousa luta há uma vida inteira. Em contraponto, ela defende uma vida que seja sustentável, com respeito à natureza, em harmonia com rios e a mata.

Conhecida como dona Lúcia, essa mulher de 50 anos vive desde sempre na zona Norte de Teresina, região conhecida como «pedra fundamental» da capital piauiense. Fundada em 1852 entre os rios Parnaíba e Poty, Teresina é a primeira capital planejada do Brasil. E nessa época, já havia gente morando no território onde atualmente vivem Dona Lúcia e mais de 112 mil pessoas espalhadas em 13 bairros – quilombolas, ribeirinhas, vazanteiras, povo de santo e quebradeiras de coco.

A questão é que essa população corre risco de despejo. Com a alegação de degradação ambiental na região, que tem 9 lagoas e é área de proteção permanente, a Prefeitura toca um projeto de urbanização que prevê a realocação de moradias para «qualificação» e «desenvolvimento socioeconômico». 

Raízes

A história de Dona Lúcia começa antes dela nascer. A família dela morava no bairro São Joaquim, na avenida Boa Esperança. Seu pai e sua mãe, pessoas negras, trabalhavam em uma vacaria e precisavam de ajuda para cuidar de 9 crianças.

Lúcia destaca que seu pai nunca foi de aceitar calado as ordens e as más condições de trabalho no lugar, onde também moravam, por isso foi perseguido e muito mal tratado por patrões portugueses que herdaram aquele espaço. Com o desgosto com a vida pobre, a família passou a viver da terra, da pescaria e da confecção de tijolos nas margens do rio. 

“Era uma vivência de muita necessidade, porém uma vida feliz”, diz dona Lúcia.

No final dos anos 1970, em plena ditadura militar, um grupo de padres irlandeses chegou à região em missão com uma proposta de gerar desenvolvimento e progresso a partir da cultura local, com a pedagogia do educador Paulo Freire. Tanto para dona Lúcia e seus irmãos quanto para outras pessoas locais houve o ensino básico para ler e escrever e, principalmente, de como usar a força de trabalho para se desenvolver. O pai de Lúcia começou a fazer casas com os tijolos que fabricava.

Com a construção da primeira escola da região, as crianças não precisavam mais caminhar longas horas até outros pontos da cidade. A população começou a se articular por outros direitos e surgiu assim uma associação comunitária, com pessoas que trabalhavam em olarias, vazantes e na pesca em um modelo autossustentável. 

Dessa forma, a comunidade lutava para se expandir, porém com o pensamento de tirar somente o necessário da terra. As coisas começaram a mudar nas décadas seguintes.

Ameaça e resistência

Foi no começo da vida adulta, já nos anos 1990, que dona Lúcia soube de um projeto do governo local com apoio do Banco Mundial para consolidar o que o poder público chama de «desenvolvimento». Era o projeto Lagoas do Norte, que recebeu esse nome em referência aos mananciais daquele chão.

No começo dos anos 2000, a população começou a ter suas casas seladas, barradas, para que ali se desapropriassem as famílias. Dona Lúcia já era adulta e entendia que não era dessa maneira que deveria ser tratada a comunidade – um território de tamanha riqueza natural e histórica.

Para que habitantes não perdessem suas casas, a comunidade novamente se organizou para lutar com protestos, debates e a criação da Casa de Defesa Ferreira de Sousa, batizada com o nome do pai de dona Lúcia. Com o receio de perder a casa de 15 cômodos em que dona Lúcia e seus irmãos vivem, em busca de seus direitos o grupo chamou a atenção do Ministério Público, da Defensoria e de universidades.

Em meio às lutas coletivas, dona Lucia vivenciou também as questões individuais. Mãe solo, ela não concluiu o colégio na adolescência para lidar com as responsabilidades da criação do filho. 

“Minha formação veio após os meus 45 anos de idade”, conta ela, que hoje vê a juventude que sai de casa rumo à universidade e retorna para a comunidade com conhecimentos que podem acrescentar no desenvolvimento local.

Com todos esses acontecimentos na vida de dona Lúcia, ela também passou por um aprofundamento com a religião de matriz africana.

“Meu pai nos levava para o terreiro aos finais de semana, uma religião que ele se identificava e tinha muito amor. Apesar de sempre ter frequentado, minha real conexão veio já adulta, devido a essa luta de não perder a minha casa e de minha familia – mesma batalha muitas outras pessoas que moravam nesses 13 bairros da região”, explica.

Foi embaixo de uma bananeira no seu quintal que dona Lúcia teve contato com um mentor espiritual. Nessa tarde, ele disse a ela que não poderia mais haver sangue derramado naquelas terras.

A revelação levou a uma conexão ancestral de dona Lúcia com o próprio território. Ela tomou conhecimento de indígenas que viveram ali e foram vítimas de assassinato. Indígenas que, mais tarde, com o encontro de pessoas negras, dariam origem à própria família de dona Lúcia.

«Foi uma repaginação da história», diz ela, que se desenvolveu em sua espiritualidade e hoje é referência não só comunitária como religiosa. 

A luta por terras no norte de Teresina ainda não teve um desfecho. Dona Lúcia segue enfrentando muitos ataques dos poderes locais. Mas em meio a tanto sangue já derramado de ancestrais, vê que não pode parar e que a  comunidade precisa de ajuda. 

A preservação dos rios, da mata e de sua comunidade depende dela e de todes que ali habitam. Lúcia é uma mulher que, quando tem um propósito, não para por nada: torna-se exemplo vivo e inspirador para as demais pessoas a sua volta.

Este conteúdo faz parte do Especial Mulheres Negras Latinoamericanas e Caribenhas, realizado pela Periferia em Movimento em parceria com a Revista Amazonas.

.

Doña Lúcia y la lucha por vivir en el territorio más antiguo de Teresina

Por Camila Lima, de Periferia em Movimento

Traducción: Amanda Martinez E.

Arte: Rafael Cristiano Edición del texto: Thiago Borges

¿Qué es el desarrollo? En la lógica capitalista, puede significar borrar lo que existe y construir algo nuevo en su lugar. Es contra esto que Maria Lúcia de Oliveira Sousa lleva luchando toda la vida. Como contrapunto, defiende una vida sostenible, con respeto a la naturaleza, en armonía con los ríos y el bosque.

Conocida como doña Lúcia, esta mujer de 50 años siempre ha vivido en la parte norte de Teresina, región conocida como la «piedra fundamental» de la capital de Piauí. Fundada en 1852 entre los ríos Parnaíba y Poty, Teresina es la primera capital planificada de Brasil. Y en aquella época, ya había gente viviendo en el territorio donde hoy vive Doña Lúcia y más de 112 mil personas repartidas en 13 barrios – quilombolas, ribereños, vazanteiras, povo de santo y rompedores de coco.

El asunto es que esta población está en riesgo de desalojo. Ante la denuncia de la degradación medioambiental de la región, que cuenta con nueve lagunas y es una zona de protección permanente, el Ayuntamiento está llevando a cabo un proyecto de urbanización que prevé el traslado de viviendas para su «cualificación» y «desarrollo socioeconómico». 

Raíces

La historia de Doña Lúcia comienza antes de nacer. Su familia vivía en el barrio de São Joaquim, en la avenida Boa Esperança. Su padre y su madre, personas negras, trabajaban en un establo y necesitaban ayuda para cuidar a 9 niños.

Lúcia destaca que su padre nunca fue de los que aceptan en silencio las órdenes y las malas condiciones de trabajo de aquel lugar, donde también vivían, por lo que fue perseguido y muy mal tratado por los jefes portugueses que heredaron aquel espacio. Asqueados de la mala vida, la familia comenzó a vivir de la tierra, de la pesca y de la fabricación de ladrillos en las orillas del río. 

«Fue una vida de mucha necesidad, pero una vida feliz», dice doña Lucía.

A finales de los años 70, durante la dictadura militar, un grupo de sacerdotes irlandeses llegó a la región en una misión con la propuesta de generar desarrollo y progreso desde la cultura local, con la pedagogía del educador Paulo Freire. Para Doña Lúcia y sus hermanos, así como para otros habitantes de la zona, se impartió una instrucción básica de lectura y escritura y, sobre todo, de cómo utilizar la fuerza de trabajo para desarrollarse. El padre de Lúcia empezó a hacer casas con los ladrillos que fabricaba.

Con la construcción de la primera escuela de la región, los niños ya no tenían que caminar largas horas hasta otros lugares de la ciudad. La población comenzó a articularse por otros derechos y así surgió una asociación comunitaria, con personas que trabajaban en la alfarería, en los vazantes y en la pesca en un modelo autosostenible. 

De este modo, la comunidad luchó por expandirse, pero con la idea de tomar sólo lo necesario de la tierra. Las cosas empezaron a cambiar en las décadas siguientes.

Amenaza y resistencia

Fue a principios de la edad adulta, en los años 90, cuando Doña Lúcia se enteró de un proyecto del gobierno local, con el apoyo del Banco Mundial, para consolidar lo que el gobierno llama «desarrollo». Se trata del proyecto Lagoas do Norte, llamado así por los manantiales de la zona.

A principios de la década de 2000, la población comenzó a tener sus casas selladas, impedidas, para que las familias pudieran ser expropiadas. Doña Lúcia ya era adulta y comprendió que esa no era la forma de tratar a la comunidad, un territorio de tanta riqueza natural e histórica.

Para que los y las habitantes no perdieran sus casas, la comunidad volvió a organizarse para luchar a través de protestas, debates y la creación de la Casa de Defensa Ferreira de Sousa, que lleva el nombre del padre de doña Lúcia. Con el temor de perder la casa de 15 habitaciones donde viven doña Lúcia y sus hermanos, en busca de sus derechos el grupo llamó la atención del Ministerio Público, la Defensoría y de las universidades.

En medio de las luchas colectivas, Doña Lucía también sufrió problemas individuales. Madre soltera, no terminó los estudios en su adolescencia, pues tenia que asumir responsabilidades de la crianza de su hijo. 

«Mi educación llegó después de los 45 años», nos cuenta Lúcia, que hoy ve cómo los jóvenes salen de casa para ir a la universidad y vuelven a la comunidad con conocimientos que pueden aportar al desarrollo local.

Con todos estos acontecimientos en la vida de Doña Lúcia, también pasó por una profundización con la religión de matriz africana.

«Mi padre nos llevaba los fines de semana al terreiro, una religión con la que se identificaba y a la que tenía mucho amor. Aunque siempre había frecuentado, mi verdadera conexión llegó en la edad adulta, debido a esta lucha por no perder mi casa y mi familia – la misma batalla que muchas otras personas que vivían en estos 13 barrios de la región», explica.

Fue bajo un árbol de banano en su patio trasero donde Doña Lucía tuvo contacto con un mentor espiritual. Esa tarde, le dijo que ya no podía haber más derramamiento de sangre en esas tierras.

La revelación llevó a una conexión ancestral de Doña Lúcia con su propio territorio. Se enteró de los indígenas que vivían allí y que fueron víctimas de asesinatos. Indígenas que, más tarde, con el encuentro del pueblo negro, darían lugar a la propia familia de Doña Lúcia.

«Fue una repaginación de la historia», dice, que se ha desarrollado en su espiritualidad y hoy no es sólo una comunidad sino también una referencia religiosa. 

La lucha por la tierra en el norte de Teresina aún no ha tenido un desenlace. Doña Lúcia sigue sufriendo muchos ataques por parte de los poderes locales. Pero en medio de tanta sangre ya derramada por sus antepasados, ve que no puede detenerse y que la comunidad necesita ayuda. 

La conservación de los ríos, del bosque y de su comunidad depende de ella y de todes los que viven allí. Lúcia es una mujer que, cuando tiene un propósito, no se detiene ante nada: se convierte en un ejemplo vivo y en una inspiración para las personas que la rodean.

Este contenido forma parte del Especial Mujeres Negras Latinoamericanas y del Caribe, producido por Periferia em Movimento en colaboración con la Revista Amazonas. 

Deja una respuesta

Tu dirección de correo electrónico no será publicada. Los campos obligatorios están marcados con *

Este sitio usa Akismet para reducir el spam. Aprende cómo se procesan los datos de tus comentarios.