
Imagem: Brasil de Fato
Retrato de um abismo social na maior cidade do país, o Mapa da Desigualdade 20181)https://www.cidadessustentaveis.org.br/arquivos/mapa_desigualdade_2018_apresentacao.pdf, elaborado anualmente pela Rede Nossa São Paulo, mais uma vez merece a nossa atenção. Entre os extremos, a idade média ao morrer varia de 81 anos no Jardim Paulista, para 58 anos em Cidade Tiradentes. Se o dado teve aumento nos dois extremos, ao ser comparado com o dado de 2017, ainda expõe a coexistência em uma mesma cidade de indicadores padrão Noruega, com suas políticas de bem-estar social reconhecidas mundialmente, e República Democrática do Congo, país que passa por violentos conflitos armados, além de uma grave epidemia de ebola.
Do ponto de vista analítico, a territorialização da desigualdade é mais que necessária e urgente. A percepção anuncia o que o mapa localiza. Aos trabalhadores e trabalhadoras de uma cidade que possui uma média de 3h diárias de transporte público, o mapa apenas ratifica uma experiência concreta e cotidiana. Aos que vivem entre as Noruegas da paulicéia, um espanto abissal, afinal, a cidade não é nossa? E aos burocratas, o reforço de uma dualidade reforçada pela manipulação de uma “realidade virtual” do planejamento urbano, criada em tantas representações de gabinete.
Contudo, se os recortes são imprescindíveis para fomentar a luta e o ódio, também é preciso atentar para os aspectos que essa representação dual de cidade silencia.
Por volta de 1845, Frederick Engels2)ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2008. já chamava atenção para as mudanças estruturais que a chegada da grade indústria produzia nas cidades da Inglaterra. A partir de observações empíricas em importantes centros urbanos e industriais ingleses, o autor pôde apreender como o desenvolvimento da industrialização e a simultânea expropriação no campo exigiam, ao mesmo tempo, o êxodo exacerbado de populações do campo, a produção de novos centros urbanos, que por sua vez produziam bairros inteiros destinados à classe operária, e a deterioração de todas as extensões de reprodução da vida do trabalhador, tais como alimentação, vestuário e habitação.
O trabalho de Engels revelava naquele momento de que modo a produção ampliada de mercadorias gerava, simultaneamente, um processo intenso e distinto de urbanização. Absorvida pela lógica da indústria, a cidade convertia-se em um polo central desta forma de reprodução social. E a sociedade urbana, ao se constituir neste processo, ganhava determinações lógicas de controle dos fluxos de capital, e invadia aos poucos todos os níveis de reprodução da vida.
Para aqueles que compartilham deste olhar, e travam caminhos de análise e de luta nesse sentido, é fundamental pontuar que a cidade é uma só. Deste ponto de vista, a cisão operada no espaço urbano serve para reforçar a moral da boa vontade política, e naturalizar a segregação socioespacial, um dos principais conteúdos do processo crítico de urbanização.
Esmiuçados enquanto relação social capitalista, trabalho e capital explicitam uma diferença fundante entre suas respectivas personificações: os trabalhadores com ou sem trabalho, expropriados sua própria capacidade produtiva; e os detentores de capital, meios de produção e propriedade fundiária. Essa contradição que embasa o modo de produção capitalista mantém-se no interior da fábrica, espaço privilegiado da produção imediata de mercadorias mas, ao mesmo tempo, transborda socialmente para a cidade, se materializando na produção em escala sempre crescente da riqueza – propriedade do capital e de todos aqueles que o possuem em abundância – e da miséria – imposta aqueles que verdadeiramente produzem essa riqueza como propriedade alheia, trabalhadores espoliados da condição de se manter sem vender seu tempo de vida. Fato que se repõe no território como produção e reprodução ampliada de patrimônio e abundância, materializados em bairros centrais e de elite como Jardim Paulista e Pinheiros, mas também de inúmeras formas de pobreza, cravadas no território junto com a maior parte da população paulistana nos bairros periféricos, como em Cidade Tiradentes e Jardim Angela.
Se há grande relevância na produção e na leitura dos indicadores do Mapa da Desigualdade, é preciso ler esta informação sem recortar a cidade. O abismo retratado é parte de uma morfologia urbana crítica. Seu enfrentamento exige a superação de condições materiais que expropriam todos os dias a maior parte da população pobre e preta dessa cidade, e para isso é preciso combater a ilusão de que o Estado possui condições históricas de equiparar essas arestas.
LA CIUDAD ES SOLO UNA
El Mapa de la Desigualdad 2018 3)https://www.cidadessustentaveis.org.br/arquivos/mapa_desigualdade_2018_apresentacao.pdf, que se realiza anualmente por la Rede Nossa São Paulo merece nuevamente nuestra atención. Es un retrato de un abismo social de São Paulo, la ciudad más grande de Brasil. Existen varios extremos, la edad promedio al morir es de 81 años en el barrio Jardim Paulista y de 58 años en el barrio Cidade Tiradentes. Aunque este indicador haya registrado un aumento en los dos extremos al compararse con el de 2017, todavía coexisten, en una misma ciudad, indicadores “padrón Noruega”, con sus políticas de bienestar social reconocidas mundialmente, e indicadores “padrón República Democrática del Congo”, país que pasa por violentos conflictos armados además de una grave epidemia de Ébola.
Desde el punto de vista analítico, territorializar la desigualdad es más que necesario y urgente. La percepción anuncia lo que el mapa localiza. A los trabajadores y trabajadoras de una ciudad que registra un promedio de 3 horas diarias de desplazamiento en el transporte público, el mapa sólo ratifica una experiencia concreta y cotidiana. A los que viven en las “Noruegas” de São Paulo, un espanto abismal: Después de todo, ¿no es nuestra la ciudad? Y a los burócratas, el refuerzo de una dualidad acentuada por la manipulación de una “realidad virtual” de la planificación urbana, creada en tantas representaciones de despacho.
Sin embargo, aunque entender las diferencias sea imprescindible para fomentar la lucha, también es necesario mirar atentamente a los aspectos que esa representación dual de ciudad silencia.
Alrededor de 1845, Frederick Engels 4)ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2008. ya señalaba los cambios estructurales que la llegada de la grande industria producía en las ciudades de Inglaterra. Por intermedio de observaciones empíricas en importantes centros urbanos e industriales ingleses, el autor pudo aprehender como el desarrollo de la industrialización y la simultánea expropiación en el campo exigían, al mismo tiempo, el éxodo exacerbado de poblaciones del campo, la producción de nuevos centros urbanos, que a su vez producían barrios enteros destinados a la clase obrera, y el deterioro de todos los niveles de reproducción de la vida del trabajador, como alimentación, vestuario y habitación.
El trabajo de Engels revelaba, en aquél momento, de qué manera la producción ampliada de mercancías generaba, simultáneamente, un proceso intenso y distinto de urbanización. Dominada por la lógica de la industria, la ciudad se convertía en un polo central de esta forma de reproducción social. Y la sociedad urbana, al constituirse en este proceso, ganaba determinaciones lógicas de control de los flujos de capital e invadía de a poco todos los niveles de reproducción de la vida.
Para los que comparten esta mirada, caminos de análisis y de lucha, es fundamental señalar que la ciudad es una sola. Desde este punto de vista, la visión emprendida en el espacio urbano sirve para reforzar la moral de la buena voluntad política y naturalizar la segregación socioespacial, uno de los principales contenidos del proceso crítico de urbanización.
Entendidos como relación social capitalista, trabajo y capital explicitan una diferencia fundante entre sus respectivas personificaciones: los trabajadores con o sin trabajo, expropiados de su propia capacidad productiva; y los dueños de capital, medios de producción y propiedad de la tierra. Esta contradicción que basa el modo de producción capitalista se mantiene en el interior de la fábrica, espacio privilegiado de la producción inmediata de mercancías pero, al mismo tiempo, transborda socialmente para la ciudad, materializandose en la producción en escala siempre creciente de riqueza – propiedad del capital y de todos los que lo poseen en abundancia – y de la miseria – prescrita a aquellos que verdaderamente producen esta riqueza como propiedad enajenada, trabajadores espoliados de la condición de sobrevivir sin la necesidad de vender su tiempo de vida. Este hecho que se repone en el territorio como producción y reproducción ampliada de patrimonio y abundancia, materializados en barrios centrales y de élite como Jardim Paulista y Pinheiros, sino también de inúmeras formas de pobreza, clavadas en el territorio junto a la mayoría de la población de São Paulo en los barrios periféricos, como Cidade Tiradentes y Jardim Angela.
Si es de gran relevancia la producción y el análisis de los indicadores del Mapa de la Desigualdad, también es necesario leer esta información sin fragmentar la ciudad. El abismo retratado forma parte de una morfología urbana crítica. Su enfrentamiento exige la superación de condiciones materiales que expropian todos los días a la mayoría de la población pobre y negra de esa ciudad. Para eso, es necesario combatir la ilusión de que el Estado posee condiciones históricas de superar esta contradicción y de eliminar la desigualdad.
Tradução: Ana Clara Antonini
Geógrafa desterrada, em busca da descolonização de seu próprio corpo e pensamentos. Feminista e parte do coletivo Revista Amazonas, defende os pequenos delírios e um pouco de carnaval para acalentar a vida em tempos difíceis.
Geógrafa desarraigada, en busca de la descolonización de su propio cuerpo y pensamientos. Feminista es parte del colectivo Revista Amazonas, defiende los pequeños delirios y un poco de carnaval para calentar la vida en tiempos difíciles.
Notas
1, 3. | ↑ | https://www.cidadessustentaveis.org.br/arquivos/mapa_desigualdade_2018_apresentacao.pdf |
2, 4. | ↑ | ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2008. |