
Foto: Carolina Maria de Jesus. 22 de dezembro de 1960. Coleção Arquivo Público do Estado de São Paulo, Fundo Jornal Última hora, São Paulo, ⓒFolhaPress.
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Em 2018, no Rio de Janeiro, assisti à pesquisadora Marcelle Leal apresentar sua pesquisa de Doutorado sobre a obra da escritora Carolina Maria de Jesus durante um evento em sua homenagem. Em 2021, li seu texto Del recoger al recorrer: desplaza-mentes de Carolina Maria de Jesus por Argentina, publicado na Revista Transas. Ao olhar para estes dois encontros, desde meu contexto de enunciação preta, feminina e acadêmica, penso na importância de acompanharmos os percursos acadêmicos e as proposições epistemológicas de investigadoras negras como Marcelle. A convocação se dá porque é emergencial continuar traçando/trançando novos mapas de leitura a partir de práticas negras intelectuais e de pistas deixadas pelas tramas de Carolina Maria de Jesus.
Esta entrevista, gestada entre setembro e outubro de 2021, é um passaporte para idas, vindas, re-voltas, re-visitas e re-paragens a/em territórios-textos e gestos intelectuais de Carolina Maria de Jesus pela Améfrica ladina. Ao mesmo tempo, a aventura de entrevistar Marcelle é também uma chegada aos gestos políticos, éticos e estéticos de uma investigadora que escolhe estar acompanhada de si, de sua ancestralidade e dos passos críticos carolineanos. Em generosidade intelectual, ela compartilha conosco a experiência dos deslocamentos de Carolina enquanto prática que dinamiza pensamentos.
Publicar esta entrevista em NOVEMBRO é um gesto emblemático porque este mês não nos deixa esquecer de três momentos importantes para as lutas negras: No Brasil, é o mês da Consciência Negra; Na Argentina, também fruto das mobilizações negras, 08 de NOVEMBRO é o Dia Nacional Afro-argentino; e foi no dia 15 de NOVEMBRO de 1961 que a escritora Carolina Maria de Jesus pisou pela primeira vez na Argentina, primeiro país de sua trajetória intelectual fora do Brasil.
Para esta entrevista, sugiro leitura atenta e compromissada porque, como a Doutora Marcelle Leal afirma, “O deslocamento afeta positiva e/ou negativamente o sujeito que chega e aqueles que encontra em seu destino.”
I-Pensando na trajetória acadêmica de mulheres negras, parece-me que é sempre muito importante compartilharmos um pouco dos nossos passos, para citar a potente indicação da ativista, médica, mulher negra e Diretora da Anistia Internacional Jurema Werneck. Quem é Marcelle Leal e como características pessoais se relacionam a aspectos acadêmicos de sua trajetória?
Antes de tudo, gostaria de agradecer à Revista Amazonas pelo espaço concedido para expressar minha voz. Sou Marcelle Ferreira Leal, filha de Denise Faria Ferreira e André Luiz Gonçalves Leal, ambos vendedores, cujas ancestralidades são envoltas pela generosidade. Fui criada pelos avós maternos e meu avô, Lair Marques Ferreira, era um homem extremamente artístico. A relação de amor com as palavras é uma herança familiar e se uniu ao carinho que, desde muito pequena, nutro pela docência. Tenho as mãos áspera até hoje, pois, ao longo de toda infância, passei meus dias escrevendo à giz na lousa num ato de brincar-treinar o ser professora. Leitora desde os quatro anos, acredito que gestei nestas relações o eu que venho construindo em meio a todos atraversarmentos, isto é, estes versamentos que me cruzam. Não venho de uma linhagem com tradição acadêmica, mas de pessoas que forjaram, cada um a seu modo, asas na imaginação e na vida para dar conta da existência.
A vontade de ser professora gerou uma demanda interna latente de ingressar em uma universidade pública. Embora venha de uma família operária, muitos se disponibilizaram, em distintos campos da vida, para que eu pudesse lutar para sobreviver em meio a um sistema que insiste na exclusão de indivíduos com meu perfil: mulher, preta, oriunda da classe popular e, sobretudo, que não se rende facilmente. Porém, é muito importante dizer que não acredito em meritocracia, pois em minha trajetória estive ao lado de muitas e muitos que, apesar de toda resistência, não conseguiram seguir, porque o racismo, o sexismo, o classismo, a homofobia, a transfobia, entre outras formas de opressão, elaboraram através de pessoas, instituições e estruturas – de maneira direta e indireta – meios para interrompê-los. Quem se pare – do verbo parir – nas margens não precisa temer o confronto, porque a morte, em todos seus domínios, já nos é dada como destino e o que nos resta é o apoderamento do que nos resgata a vitalidade de maneira criativa para manter a chama viva dentro de si, incendiar o mundo onde não temos lugar e alimentar o fogo de onde renascerá, em um movimento pessoal e coletivo, espaços mais colaborativos e plurais onde a vida seja a força-motriz.
II-Você pesquisa sobre o protagonismo das mulheres negras na intelectualidade. O que moveu seu desejo em direção a investigações sobre a obra de Carolina Maria de Jesus, precursora das escritas de mulheres negras brasileiras? Em que momento as palavras poéticas de Carolina mobilizaram a leitora Marcelle Leal para que esta se convertesse em investigadora?
Carolina Maria de Jesus é uma mulher que, apesar de sofrer contínuas tentativas de eliminação e depreciação, não se rende. Isso me inspira. Ingressei na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2003, no curso de Letras (Português-Espanhol). Neste momento, a política de cotas era recente, a UFRJ ainda não tinha implementado as ações afirmativas e o espaço acadêmico era mais excludente do que é atualmente. As conquistas dos Movimentos Negros são fundamentais para a construção de um pensamento em que, nós, mulheres negras, nos vejamos não só como pertencentes, mas também como produtoras do saber dos espaços que ocupamos, conforme nos lembra Giovana Xavier. Em busca da conquista do mundo exterior, invisibilizei minhas identidades e, de alguma maneira, a vida me levou a recuperá-las ao longo das minhas pesquisas. Num ambiente ainda permeado pelo pensamento de homens brancos – com seus corpos físicos e mentais – comecei a trabalhar a angústia no existencialismo sartreano, que me propiciou entender mais da sensação de desconforto diante da tarefa de se construir no mundo. Depois de um período distanciada da universidade, porque vez ou outra precisamos levantar e respirar da fumaça que nos sufoca, estudei o mestrado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) onde encontrei um outro perfil de Academia. Ali, pesquisei sobre Simone de Beauvoir, sob a orientação de Deise Quintilliano, e tive a oportunidade de cursar, com a professora Ana Cristina dos Santos, uma matéria dedicada às identidades de mulheres latino-americanas. Naquele momento, descontruí e reconstruí muitos aspectos internos e me identifiquei não só como uma mulher, mas também uma intelectual do sul global e, algumas peças do quebra-cabeça existencial começaram a fazer sentido, mas, até então, não havia descoberto de maneira escura minha identidade negra.
No doutorado, retornei à UFRJ e comecei a estudar a aparição estética da sombra na Literatura. O processo de se compreender como parte de grupos oprimidos pode ser dolorido e acredito que, as mudanças de pele do mestrado, deixaram minha carne exposta. Busquei cobertas na estética para me proteger, mas, uma vez consciente, não há mais volta. Comecei a entender que, apesar da presença do perfil umbroso no texto literário, o próprio sistema da Literatura criava suas sombras. Esta descoberta ocorre de forma concomitante ao período em que me identifiquei como negra. Dedicava minhas leituras à pesquisa e aos escritos de mulheres e homens negros que me explicavam mais sistematicamente sobre um mundo vivido, mas pouco compreendido. Carolina Maria de Jesus foi uma escritora que fez parte do meu processo tardio, mas crucial, de reconhecimento e me mostrou que a insubmissão é uma ferramenta potente. Apesar da sociedade insistir em negar sua existência e escrita, ela não se rende e se afirma no mundo. Na tese “Poética das sombras: de projeções a sujeitos da Literatura”, jogo com o termo escrevivência, de Conceição Evaristo, para designá-la como uma “escrevida das letras”, em sua resistência e atrevimento. Estas características a levam a não se contentar com o espaço de reprodução do sistema que lhe ditam e a se colocar como corpo da Literatura em toda sua cor, forma e profundidade. Na dinâmica de se posicionar como sujeito, incentiva àqueles que estão à sombra a empreenderem o mesmo movimento e a reestruturarem os domínios da Literatura. Assim, ela me ensina a criar arte ativa-a- mente de maneira atrevida e insubmissa para pensar outras formas de construir e pensar o literário. E também aponta a relevância de defender a legitimidade e a autoridade criativo-epistemológica de todas nós que nos comprometemos em levar adiante a tarefa que nos foi designada por nossos ancestrais, afinal, como nos recorda a já mencionada Conceição Evaristo: “A gente combinamos de não morrer.”

III- Acredito que deslocar-se constitui uma relação potente com os espaços. No livro Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, vemos uma narradora que tem uma escrita pensadora e pensante que também se dá nos deslocamentos cotidianos pelas cidades. Outro dia li um texto seu publicado na Revista Transas sobre as reflexões de Carolina Maria de Jesus durante sua passagem pela Argentina. Em que medida adentrar esta produção carolineana em/sobre terras argentinas também promove novas possibilidades de compreensão para a obra desta intelectual negra?
Retomando o início da pergunta, concordo plenamente que o deslocar-se propicia uma relação potente com os espaços. Porém, adicionaria que também o é com as pessoas. Quando jogamos nossos corpos no mundo, como dizem os Novos Baianos, abrimos possibilidades de encontros e desencontros com os demais e, consequentemente, conosco. Desenvolver a pesquisa “Desplazamentes: Latinoamérica bajo la lupa y la letra de Carolina Maria de Jesus” enquanto moro em Buenos Aires tem sido uma experiência intensa. É um diálogo que entrecruza nossas experiências de intelectuais em trânsito. Vejo muito sobre mim e ainda mais sobre ela no diário de viagem e nos materiais que encontro nos arquivos sobre a trajetória por Argentina, Uruguai e Chile. Durante a pesquisa, observo faces da autora que expandem ainda mais as concepções sobre sua atuação de vanguarda e sua genialidade.
Vanguarda na medida em que vemos uma mulher negra, de origem pobre, mãe solo fértil, e, em parte de sua vida, moradora da favela, representando a Literatura Brasileira no exterior. Em plena década de 60 do século XX, esta mulher periférica viaja como intelectual para divulgar internacionalmente seu livro que é um sucesso de vendas. Nas entrevistas concedidas no período, jornalistas estrangeiros destacam a intensidade de sua vida interior, sua sinceridade e habilidade de comunicação. Ela responde sem papas na língua perguntas sobre temas literários, políticos, sociais, econômicos, entre outros. Estabelece diálogos com personalidades, políticos e com o povo; circula não só pelas capitais, mas por cidades vizinhas e também vai conhecer a realidade das favelas locais. Além disso, é fundamental lembrar que é convidada para se apresentar, no início de 1962, na Escola Internacional de Verão de Concepción, no Chile, onde tem contato com pares de outros países e profere a palestra: “América necesita otra independência”. É um discurso potente pronunciado por uma pensadora periférica que reflete sobre o sul pela perspectiva dos que provêm de sua base social.
A genialidade consiste – entre tantos exemplos notórios do talento extraordinário da escritora – em lançar um olhar atento para o entorno e expressá-lo através de uma estética que ancora a beleza lírica na terra áspera da realidade. Quando acompanhamos a descrição da viagem, vemos a leveza de uma turista que explora os lugares por onde passa, experimenta a gastronomia local, estabelece diálogos diversos. Também somos conduzidos por passagens poéticas que estimulam nossos sentidos. Porém, somos constantemente convocados a prestar atenção e refletir com a intelectual sobre os temas sociais. Conhecer os países limítrofes expandiu as fronteiras de suas análises e, então, ela elabora algumas questões latino-americanas através de um repertório rico. Os debates sobre a fome, o alto custo de vida das cidades, a falta de emprego, o problema da moradia, a educação, a riqueza natural, a presença do negro na sociedade, são alguns pontos de destaque nos escritos onde coteja a situação do Brasil e com tais locais. É imprescindível ressaltar que o exercício não se limita à mera descrição, pois há um empenho em apresentar soluções que resolveriam os problemas detectados.
Os materiais encontrados ao longo da investigação demonstram que a intelectual segue insubmissa a qualquer tentativa de dominação. Quando pensamos que as constelações carolineanas começam a ganhar forma, um novo grupo de estrelas surge para reordenar o estabelecido. Só que, como ela ensina, não podemos restringir o olhar à mera fruição do jogo que propõe a quem decide se debruçar sobre sua biografia e bibliografia. É preciso denunciar o racismo estrutural presente no descaso público com a preservação da memória e do legado deixado por esta brasileira. Embora haja um movimento de retomada de sua produção, pesquisadores lutam, entre outras reivindicações, pelo armazenamento adequado de parte do acervo, um material riquíssimo que pode se perder por negligência. No caso da minha pesquisa, trabalho com uma tradução intitulada “Diario de viaje” publicado pela editora Abraxas, mas que, até o presente momento, não há certeza sobre o destino dos originais em português. Cotejo o texto com os registros dos arquivos, mas é importante que tenhamos acesso ao que foi produzido pela autora. Estamos em um período de desmonte da educação e da pesquisa, mas, o povo preto racializado sabe bem que, infelizmente, ao longo de séculos, sua produção artística e intelectual é o alvo a ser eliminado. Ainda assim, seguimos na luta por nós e pelos nossos.
IV- Neste mesmo artigo da Revista Transas, você nos provoca a ler a obra de Carolina a partir das relações entre os conceitos de desplazamiento e desplaza-mentes. Gostaria de compartilhar conosco um pouco mais sobre estes conceitos?
O conceito desplazamentes vem se gestando em meu interior desde 2017. Quando Angela Davis vai à Bahia e assinala como o movimento de mulheres negras desestabiliza a ordem implementada pelo capitalismo, uma semente do termo é plantada dentro de mim. O ato de se mover é muito presente em minha história e ressoou em algumas de minhas memórias. Enquanto uma mulher negra moradora do subúrbio de uma cidade dividida entre classes sociais, o deslocamento torna-se parte dos nossos dias. Além disso, como não venho de uma família que possui uma casa própria, tivemos que mudar muitas vezes de moradia e bairro. Sem contar a insistência de cruzar os sinais vermelhos que a sociedade tenta impor aos nossos anseios. O ponto em comum é que muitas transformações ocorrem no percurso entre origens e destinos. Alteram-se as paisagens, as pessoas, os barulhos, os cheiros, as cores e nós.
Aprendi algumas coisas nestes processos. A primeira é que, como dizem os mais antigos, não há bem que sempre dure e mal que nunca acabe. Afinal, tudo sempre passa. A segunda é que precisamos saber chegar. Observar o ambiente, as pessoas, sentir o local e se colocar tal como ele nos conclama. Transitei durante anos da minha vida por lugares tradicionalmente interditados – direta ou indiretamente – à população preta. Fui para uma universidade pública onde a maioria discente e docente era branca e pertencente às classes médias e altas; trabalhei durante muito tempo como professora de idiomas para executivos e, nos espaços empresariais, o estranhamento provocado pela minha presença era notório. Sei que, por não ter uma pele retinta, tinha passabilidade. No entanto, não fazia parte dos grupos constituintes de ditos espaços. Minha presença provocava a mente daqueles que pareciam confusos na correlação entre sujeito e local.
Quando comecei a acompanhar a trajetória das mulheres negras na Literatura Brasileira e, principalmente, a viagem de Carolina Maria de Jesus, entendi as múltiplas mudanças gerada pelo seu mover. O deslocamento afeta positiva e/ou negativamente o sujeito que chega e aqueles que encontra em seu destino. Consequentemente, provoca uma agitação em suas mentes. Por isso, jogo com o desplazamientos/desplazamentes cuja tradução para o português é deslocamentos/deslocamentes. É preciso lembrar que utilizo aqui a palavra afeto no sentido apresentado por Azoilda Loretto da Trindade, ou seja, a afetividade que nos remete ao corpo, ao contato, como ela diz, em Fragmentos de um discurso sobre afetividade, “em relação direta com o influenciar e ser influenciado, potencializar, possibilitar”. No caso de Carolina Maria de Jesus, ela é uma intelectual negra em turnê internacional para debater sobre sua produção literária. Além disso, impõe-se como sujeito criativo-epistemológico neste percurso. Há um grande burburinho porque, como nos atenta Grada Kilomba em Memórias da Plantação, nossos corpos negros são entendidos como não pertencentes, principalmente no que tange aos espaços de poder.
Logo, sua chegada move a mente das pessoas, principalmente porque estruturalmente estamos tratando de sociedades racistas, machistas e classistas. Os indivíduos que se abrem ao diálogo – interno ou externo – ressignificam seus imaginários e colocam em xeque os próprios preconceitos. Alguns, emocionam-se ao ver, finalmente, o início de um reordenamento dos cenários sociais. Porém, há também os que reagem negativamente, mas, ainda assim, gera-se um afeto, na medida em que o sujeito enfurece dentro de si por se ver diante de um mundo onde já não cabem mais seus anseios de opressão. Seja positiva ou negativamente, este corpo preto em trânsito cria uma série de afetações. Impulsiona sua comunidade a posicionar-se como sujeitos e a escurecer os ambientes. Provoca a visão dos olhares tão acostumados às lentes dos óculos branqueadores. Ademais, também é importante pensar que a dinâmica não ocorre apenas no âmbito das individualidades. As reflexões incitadas se expandem para pensar a América Latina em suas bases, a partir de intelectuais que se formam em suas periferias e permitem, como digo na Revista Transas, reconfigurá-la e parí-la desde seu interior. Então, retomo aqui o diálogo com Angela Davis trazido no início da resposta. No momento em que Carolina Maria de Jesus empreende seus deslocamentos pela região, [ela]deslocamentes por onde passa e abala os pilares do instituído. Desta forma, nos convoca a uma série de reelaborações sobre nossas identidades e representações enquanto latino-americanos. Quem somos? Quais são nossos temas e problemas? Qual a configuração de nossos corpos e corpus?
V- A editora argentina Mandacaru recentemente publicou a tradução em Espanhol de Quarto de despejo. Como você analisa as dimensões de mais esta viagem de Carolina Maria de Jesus e sua obra à Argentina?
É fascinante acompanhar o retorno de Carolina Maria de Jesus à Argentina através da edição publicada pela editora Mandacaru. Muitas vezes, no diário de viagem, ela declara explicitamente amor pelo país, pela comida e pela população. É engraçado porque menciona o pesar quando vai rumo ao Chile e a saudade que sente, pois segundo suas palavras “Lá até os pássaros cantam para alegrar os estrangeiros”. No dia 28 de dezembro, faz uma parada na capital para voltar ao Brasil e escreve: “Eu ia ver…’Mi Buenos Aires querido’”. Sem dúvidas, é um dos lugares que mais estima na trajetória. O retorno pela obra é uma homenagem que faz jus à relação de carinho mútuo que se estabelece.
A edição atual é uma grande oportunidade para os leitores argentinos conhecerem mais sobre a obra de uma escritora fundamental para a reflexão sobre nossa região. A tradução do Laboratório da UNILA e adaptação à variante linguística rio-platense por Lucía Tennina e Penélope Serafina Chaves Bruera está impecável. Infelizmente, sabemos que o idioma ainda é um entrave na relação entre Brasil e seus vizinhos. O acesso ao aprendizado de línguas ainda é um privilégio, o que restringe a leitura em português brasileiro a uma minoria. Por isso, não só tê-lo disponível em espanhol, mas também adaptado à variante local é um meio de viabilizar que o texto chegue a muito mais pessoas.
VI-A obra de Carolina Maria de Jesus invoca várias possibilidades de leitura. O que ainda precisamos dizer sobre o texto da autora de Casa de Alvenaria para que experimentemos leituras que não compactuem com exotizações e práticas reducionistas?
Aceitem! Carolina Maria de Jesus é uma grande escritora e, como tal, sempre haverá de se dizer mais sobre sua obra. Como afirmei anteriormente, os movimentos que ela empreende gera afetos de todos os tipos. No entanto, felizmente, seguimos na luta por uma sociedade onde qualquer tipo de exotização, reducionismo, estereotipia, opressão, seja combatido. É o nosso movimento, enquanto pretas e pretos, que conseguirá a dissolução de tais práticas. É a reivindicação pela implementação de políticas públicas alinhadas com nossas necessidades e a ocupação dos espaços de poder que reconfigurarão a ordem perversa que nos mata em todos os âmbitos. Sabemos que não podemos esperar concessões. Temos que atuar, ser insubmissos, como Carolina Maria de Jesus nos ensina. É urgente agir!
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ENTREVISTA A MARCELLE LEAL
Por Fabiana de Pinho
Traducción: Amanda Martínez E.
En 2018, en Río de Janeiro, vi a la investigadora Marcelle Leal presentar su trabajo de doctorado sobre la obra de la escritora Carolina María de Jesús durante un evento en su honor. En 2021, leí su texto Del recoger al recorrer: desplaza-mentes de Carolina María de Jesús por Argentina, publicado en la revista Transas. Al observar estos dos encuentros, desde mi contexto de enunciación negra, femenina y académica, pienso en la importancia de seguir los caminos académicos y las propuestas epistemológicas de las investigadoras negras como Marcelle. Este llamado se produce porque es emergente seguir trazando/tejiendo nuevos mapas de lectura a partir de las prácticas intelectuales negras y de las pistas que dejan las tramas de Carolina María de Jesús.
Esta entrevista, elaborada entre septiembre y octubre de 2021, es un pasaporte para las idas y venidas, los retornos, las visitas y los reencuentros con los territorios-textos y los gestos intelectuales de Carolina María de Jesús a través de la Améfrica ladina. Al mismo tiempo, la aventura de entrevistar a Marcelle es también una aproximación a los gestos políticos, éticos y estéticos de una investigadora que elige acompañarse de sí misma, de su ascendencia y de los pasos críticos carolinianos. Con generosidad intelectual, comparte con nosotras la experiencia de los desplazamientos de Carolina como una práctica que dinamiza el pensamiento.
Publicar esta entrevista en NOVIEMBRE es un gesto emblemático porque este mes no permite que nos olvidemos de tres momentos importantes para las luchas negras: En Brasil, es el mes de la Conciencia Negra; en Argentina, también fruto de las movilizaciones negras, el 08 de NOVIEMBRE es el Día Nacional Afroargentino; y fue el 15 de NOVIEMBRE de 1961 cuando la escritora Carolina María de Jesús pisó por primera vez Argentina, el primer país de su trayectoria intelectual fuera de Brasil.
Para esta entrevista, sugiero una lectura atenta y comprometida porque, como afirma la doctora Marcelle Leal, «el desplazamiento afecta positiva y/o negativamente al sujeto que llega y a las que encuentra en su destino.»
I. Pensando en la trayectoria académica de las mujeres negras, me parece que siempre es muy importante compartir un poco nuestros pasos, para citar la poderosa indicación de la activista, médica, mujer negra y directora de Amnistía Internacional Jurema Werneck. ¿Quién es Marcelle Leal y cómo se relacionan las características personales con los aspectos académicos de su trayectoria?
En primer lugar, quiero agradecer a la Revista Amazonas el espacio concedido para expresar mi voz. Soy Marcelle Ferreira Leal, hija de Denise Faria Ferreira y André Luiz Gonçalves Leal, ambos vendedores, cuya ancestralidad se envuelve en la generosidad. Me criaron mis abuelos maternos y mi abuelo, Lair Marques Ferreira, que era un hombre extremadamente artístico. El amor por las palabras es una herencia familiar y se une al cariño que, desde muy joven, he cultivado por la enseñanza. Mis manos son ásperas hasta el día de hoy, ya que, durante toda mi infancia, me pasaba los días escribiendo con tiza en la pizarra en un acto de juego-entrenamiento para ser profesora. Lectora desde los cuatro años, creo que en estas relaciones he creado el yo que he ido construyendo en medio de todos los cruces, es decir, estos versos que me atraviesan. No vengo de un linaje con tradición académica, sino de personas que forjaron, cada una a su manera, alas en la imaginación y en la vida para explicar su existencia.
El deseo de convertirme en profesora generó una demanda interna latente para entrar en una universidad pública. Aunque provengo de una familia de clase trabajadora, muchas personas se pusieron a disposición en diferentes ámbitos de la vida para que yo pudiera luchar por sobrevivir en medio de un sistema que insiste en la exclusión de individuos con mi perfil: mujer, negra, proveniente de la clase popular y, sobre todo, que no se rinde fácilmente. Sin embargo, es muy importante decir que no creo en la meritocracia, porque en mi trayectoria he estado al lado de muchas y muchos que, a pesar de todas las resistencias, no han podido continuar, porque el racismo, el sexismo, el clasismo, la homofobia, la transfobia, entre otras formas de opresión, han elaborado a través de personas, instituciones y estructuras -directa e indirectamente- formas de interrumpirlas. Quien para -del verbo parir- en los márgenes no necesita temer la confrontación, porque la muerte, en todos sus ámbitos, ya nos está dada como destino y lo que nos queda es apoderarnos de aquello que rescata nuestra vitalidad de manera creativa para mantener viva la llama en el interior, para incendiar el mundo donde no tenemos cabida y alimentar el fuego del que renacerán, en un movimiento personal y colectivo, espacios más colaborativos y plurales donde la vida sea el motor.
II-Tu investigas el papel de las mujeres negras en la vida intelectual. ¿Qué te llevó a investigar la obra de Carolina María de Jesús, precursora de los escritos de las mujeres negras brasileñas? ¿En que momento las palabras poéticas de Carolina movilizaron a la lectora Marcelle Leal para convertirse en investigadora?
Carolina María de Jesús es una mujer que, a pesar de haber sufrido continuos intentos de eliminación y depreciación, no se rinde. Eso me inspira. Ingresé en la Universidad Federal de Río de Janeiro, en 2003, para estudiar Literatura (portugués-español). En esa época, la política de cuotas era reciente, la UFRJ aún no había implementado la acción afirmativa y el espacio académico era más excluyente que hoy. Las conquistas de los Movimientos Negros son fundamentales para la construcción de un pensamiento en el que nosotras, las mujeres negras, nos vemos no sólo como pertenecientes, sino también como productoras de conocimiento de los espacios que ocupamos, como nos recuerda Giovana Xavier. En busca de la conquista del mundo exterior, hice invisibles mis identidades y, de alguna manera, la vida me llevó a recuperarlas a lo largo de mi investigación. En un ambiente todavía permeado por el pensamiento del hombre blanco -con sus cuerpos físicos y mentales- comencé a trabajar la angustia en el existencialismo sartreano, lo que me permitió comprender mejor el sentimiento de incomodidad al enfrentar la tarea de construirme en el mundo. Tras un periodo alejado de la universidad, porque de vez en cuando hay que levantarse y respirar del humo que nos asfixia. Estudié una maestria en la Universidad Estatal de Río de Janeiro (UERJ) donde encontré otro perfil de la Academia. Allí investigué sobre Simone de Beauvoir, bajo la dirección de Deise Quintilliano, y tuve la oportunidad de estudiar, con la profesora Ana Cristina dos Santos, una materia dedicada a las identidades de las mujeres latinoamericanas. En ese momento, deconstruí y reconstruí muchos aspectos internos y me identifiqué no sólo como mujer, sino también como intelectual del sur global, y algunas piezas del rompecabezas existencial comenzaron a tener sentido, pero, hasta entonces, no había descubierto oscuramente mi identidad negra.
En el doctorado, volví a la UFRJ y comencé a estudiar la apariencia estética de la sombra en la literatura. El proceso de entenderse como parte de grupos oprimidos puede ser doloroso y creo que, los cambios de piel que ocurrieron en la maestria, dejaron mi carne al descubierto. Busqué coberturas en la estética para protegerme, pero una vez que tomé conciencia, no hubo vuelta atrás. Empecé a comprender que, a pesar de la presencia del perfil sombrío en el texto literario, el propio sistema de la literatura creaba sus sombras. Este descubrimiento se produjo de forma concomitante con el periodo en el que me identifiqué como negra. Dediqué mis lecturas a la investigación y a los escritos de mujeres y hombres negros que me explicaban de forma más sistemática un mundo vivido, pero poco comprendido. Carolina María de Jesús fue una escritora que formó parte de mi tardío pero crucial proceso de reconocimiento y me mostró que la insumisión es una herramienta poderosa. Aunque la sociedad se empeña en negar su existencia y su escritura, ella no se rinde y se impone en el mundo. En la tesis «Poética de las sombras: de las proyecciones a los sujetos de la literatura», utilizo el término escrevivência, de Conceição Evaristo, para designarla como «escritora de letras», en su resistencia y atrevimiento. Estas características la llevan a no conformarse con el espacio de reproducción del sistema que se le dicta y a posicionarse como el cuerpo de la Literatura en todo su color, forma y profundidad. En la dinámica de posicionarse como sujeto, anima a los que están en la sombra a emprender el mismo movimiento y reestructurar los ámbitos de la literatura. Así, me enseña a crear un arte activo a la mente de forma atrevida y no sumisa a pensar otras formas de construir y pensar lo literario. Y también señala la pertinencia de defender la legitimidad y la autoridad creativo-epistemológica de todos y todas los que nos comprometemos a llevar adelante la tarea que nos asignaron nuestros antepasados, al fin y al cabo, como nos recuerda la citada Conceição Evaristo: » Nos comprometimos a no morir.»

III- Creo que el desplazamiento constituye una poderosa relación con los espacios. En el libro Cuarto de desalojo, de Carolina María de Jesús, vemos a una narradora que tiene una escritura pensante y reflexiva que también se desarrolla en sus desplazamientos diarios por las ciudades. El otro día leí un texto tuyo publicado en la revista Transas sobre las reflexiones de Carolina María de Jesús durante su estancia en Argentina. ¿En qué medida adentrarse en esta producción de Carolina en/sobre tierras argentinas promueve también nuevas posibilidades de comprensión de la obra de esta intelectual negra?
Volviendo al inicio de la pregunta, estoy totalmente de acuerdo en que desplazarse proporciona una poderosa relación con los espacios. Sin embargo, yo añadiría que también lo es con las personas. Cuando lanzamos nuestros cuerpos al mundo, como dicen los Novos Baianos, abrimos posibilidades de encuentro y extrañamiento con el otro y, en consecuencia, con nosotros mismos. Desarrollar la investigación «Desplazamentes: Latinoamérica bajo la lupa y la letra de Carolina María de Jesús» mientras vivo en Buenos Aires ha sido una experiencia intensa. Es un diálogo que cruza nuestras experiencias como intelectuales en tránsito. Veo mucho de mí y aún más de ella en el diario de viaje y en los materiales que encuentro en los archivos sobre su trayectoria por Argentina, Uruguay y Chile. Durante la investigación, observo rostros de la autora que amplían aún más las concepciones sobre su actuación vanguardista y su genialidad.
Vanguardia en que vemos a una mujer negra, de origen pobre, madre sola fértil y, en parte de su vida, habitante de una favela, representando a la literatura brasileña en el extranjero. A mediados de los años sesenta del siglo XX, esta mujer periférica viaja como intelectual para dar a conocer internacionalmente su libro más vendido. En las entrevistas concedidas durante este periodo, los periodistas extranjeros destacan la intensidad de su vida interior, su sinceridad y su capacidad de comunicación. Responde sin reparos a preguntas sobre temas literarios, políticos, sociales y económicos, entre otros. Establece diálogos con personalidades, políticos y con la gente; circula no sólo por las capitales, sino también por los pueblos vecinos y conoce la realidad de las favelas locales. Además, es fundamental recordar que fue invitada a exponer, a principios de 1962, en la Escuela Internacional de Verano de Concepción, en Chile, donde tuvo contacto con pares de otros países y dictó la conferencia: «América necesita otra independencia». Se trata de un poderoso discurso pronunciado por un pensador periférico que reflexiona sobre el Sur desde la perspectiva de quienes provienen de su base social.
La genialidad consiste -entre tantos ejemplos notorios del extraordinario talento de la escritora- en lanzar una mirada atenta a su entorno y expresarla a través de una estética que ancla la belleza lírica en la tierra áspera de la realidad. Cuando seguimos la descripción del viaje, vemos la ligereza de una turista que explora los lugares por los que pasa, prueba la cocina local, establece diversos diálogos. También se nos conduce a través de pasajes poéticos que estimulan nuestros sentidos. Sin embargo, se nos convoca constantemente a prestar atención y reflexionar con el intelectual sobre temas sociales. El conocimiento de los países vecinos ha ampliado las fronteras de sus análisis y, a continuación, profundiza en algunos temas latinoamericanos a través de un rico repertorio. Los debates sobre el hambre, el alto costo de la vida en las ciudades, la falta de empleo, el problema de la vivienda, la educación, la riqueza natural, la presencia de los negros y las negras en la sociedad, son algunos puntos destacados en los escritos en los que compara la situación en Brasil y con otros lugares. Es fundamental destacar que el ejercicio no se limita a la mera descripción, ya que se trata de presentar soluciones que resuelvan los problemas detectados.
Los materiales encontrados a lo largo de la investigación demuestran que la intelectual sigue siendo insumisa a cualquier intento de dominación. Cuando pensamos que las constelaciones carolinas empiezan a tomar forma, aparece un nuevo grupo de estrellas que reordena lo establecido. Sólo que, como ella nos enseña, no podemos limitar nuestra mirada al mero disfrute del juego que propone a quienes decidan profundizar en su biografía y bibliografía. Debemos denunciar el racismo estructural presente en el desprecio público por la preservación de la memoria y el legado dejado por esta mujer brasileña. Aunque hay un movimiento de reanudación de su producción, los investigadores luchan, entre otras reivindicaciones, por el correcto almacenamiento de parte de la colección, un material muy rico que puede perderse por el descuido. En el caso de mi investigación, trabajo con una traducción titulada «Diario de viaje» publicada por Abraxas, pero que, en la actualidad, no hay certeza sobre el destino de los originales en portugués. Comparo el texto con los registros de los archivos, pero es importante que tengamos acceso a lo que produjo el autor. Estamos en un período de desmantelamiento de la educación y la investigación, pero el pueblo negro racializados sabe bien que, por desgracia, a lo largo de los siglos, su producción artística e intelectual es el objetivo a eliminar. Aun así, seguimos luchando por nosotros y por los nuestros y nuestras.
IV- En este mismo artículo de la revista Transas, nos provocas a leer la obra de Carolina a partir de las relaciones entre los conceptos de desplazamiento y desplaza-mentes. ¿Te gustaría compartir con nosotras un poco más sobre estos conceptos?
El concepto desplazamentes lleva gestándose en mi interior desde 2017. Cuando Angela Davis va a Bahía y señala cómo el movimiento de las mujeres negras desestabiliza el orden implementado por el capitalismo, una semilla del término se planta dentro de mí. El acto de moverse está muy presente en mi historia y resuena en algunos de mis recuerdos. Como mujer negra que vive en los suburbios de una ciudad dividida entre clases sociales, el desplazamiento forma parte de nuestros días. Además, como no vengo de una familia que tenga casa propia, hemos tenido que cambiar de casa y de barrio muchas veces. Por no hablar de la insistencia en cruzar los semáforos en rojo que la sociedad trata de imponer a nuestros deseos. El punto común es que se producen muchas transformaciones en el camino entre los orígenes y los destinos. Los paisajes, la gente, los ruidos, los olores, los colores y nosotras mismas vamos cambiando.
He aprendido algunas cosas en estos procesos. La primera es que, como dicen las personas mayores, no hay bien que dure siempre ni mal que no acabe nunca. Al fin y al cabo, todo siempre pasa. La segunda es que tenemos que saber cómo llegar. Observar el entorno, la gente, sentir el lugar y situarnos cómo éste nos llama. Durante años de mi vida pasé por lugares tradicionalmente prohibidos -directa o indirectamente- a la población negra. Fui a una universidad pública donde la mayoría de los estudiantes y profesores eran blancos y pertenecientes a las clases medias y altas; trabajé durante mucho tiempo como profesora de idiomas para ejecutivos y, en los espacios corporativos, la extrañeza que provocaba mi presencia era notoria. Sé que, como no tenía la piel tan oscura, era transitable. Sin embargo, yo no formaba parte de los grupos constituyentes de esos espacios. Mi presencia provocó a las mentes de aquellos que parecían confundidos en la correlación entre el sujeto y el lugar.
Cuando empecé a seguir la trayectoria de las mujeres negras en la literatura brasileña y, especialmente, la de Carolina María de Jesús, comprendí los múltiples cambios generados por su movimiento. El desplazamiento afecta positiva y/o negativamente al sujeto que llega y a los que encuentra en su destino. En consecuencia, provoca una agitación en sus mentes. Por lo tanto, juego con desplazamientos/desplazamentos cuya traducción al portugués es deslocamentos/deslocamentes. Cabe recordar que utilizo aquí la palabra afecto en el sentido presentado por Azoilda Loretto da Trindade, es decir, la afectividad que nos remite al cuerpo, al contacto, como dice ella, en Fragmentos de un discurso sobre afetividad, «en relación directa con influir y ser influenciada, potenciar, posibilitar». En el caso de Carolina María de Jesús, se trata de una intelectual negra en gira internacional para hablar de su producción literaria. Además, se impone como sujeto creativo-epistemológico en este viaje. Hay un gran revuelo porque, como señala Grada Kilomba en Memorias de la plantación, se entiende que nuestros cuerpos negros no pertenecen, sobre todo cuando se trata de espacios de poder.
Enseguida, su llegada conmueve a la gente, sobre todo porque estructuralmente se trata de sociedades racistas, sexistas y clasistas. Los individuos que se abren al diálogo -interno o externo- resignifican sus imaginarios y ponen en jaque sus propios prejuicios. Algunos están encantados de ver por fin el comienzo de una reordenación de los escenarios sociales. Sin embargo, también hay quienes reaccionan negativamente, pero aun así, se genera un afecto, hasta el punto de que el sujeto se enfurece en su interior al verse frente a un mundo donde ya no caben sus anhelos de opresión. Ya sea positiva o negativamente, este cuerpo negro en tránsito crea una serie de efectos. Impulsa a su comunidad a posicionarse como sujetos y a oscurecer sus entornos. Provoca la mirada de quienes están acostumbrados a los cristales de las gafas blanqueadoras. Además, también es importante pensar que las dinámicas no se dan sólo en el ámbito de las individualidades. Las reflexiones provocadas se expanden para pensar América Latina en sus bases, desde los intelectuales que se forman en sus periferias y permiten, como digo en la Revista Transas, reconfigurarla y cambiarla desde su interior. Así pues, retomo aquí el diálogo con Angela Davis planteado al inicio de la respuesta. En el momento en que Carolina María de Jesús emprende sus desplazamientos por la región, [ella] mobiliza las mentes por donde pasa y sacude los pilares de lo instituido. De este modo, nos convoca a una serie de reelaboraciones sobre nuestras identidades y representaciones como latinoamericanos. ¿Quiénes somos? ¿Cuáles son nuestros temas y problemas? ¿Cuál es la configuración de nuestros cuerpos y corpus?
V- La editorial argentina Mandacaru ha publicado recientemente la traducción al español de Cuarto de despejo. ¿Cómo analizas las dimensiones de este viaje de Carolina María de Jesús y su obra a Argentina?
Es fascinante seguir el regreso de Carolina María de Jesús a Argentina a través de la edición publicada por Mandacaru. En muchas ocasiones, en su diario de viaje declara explícitamente su amor por ese país, la comida y la gente. Es curioso porque menciona su pesar cuando va rumbo a Chile y la nostalgia que siente, porque según sus palabras «Allí hasta los pájaros cantan para alegrar a los extranjeros». El 28 de diciembre se detiene en la capital para regresar a Brasil y escribe: «Iba a ver… ‘a mi Buenos Aires querido'». Sin duda, es uno de los lugares que más aprecia en su trayectoria. El regreso a través de la obra es un homenaje que hace justicia a la relación de afecto mutuo que se establece.
La presente edición es una gran oportunidad para que los lectores argentinos conozcan la obra de una escritora fundamental para la reflexión sobre nuestra región. La traducción del Laboratorio de la UNILA y la adaptación a la variante rioplatense de la lengua por Lucía Tennina y Penélope Serafina Chaves Bruera es impecable. Desgraciadamente, sabemos que la lengua sigue siendo un obstáculo en la relación entre Brasil y sus vecinos. El acceso al aprendizaje de la lengua sigue siendo un privilegio, lo que restringe la lectura en portugués brasileño a una minoría. Por lo tanto, no sólo disponer de él en español, sino también adaptarlo a la variante local es un medio de hacer posible que el texto llegue a muchas más personas.
VI-La obra de Carolina María de Jesús invoca varias posibilidades de lectura. ¿Qué más necesitamos decir sobre el texto de la autora de Casa de Alvenaria para que podamos experimentar con lecturas que no propicien la exotización y las prácticas reduccionistas?
¡Aceptarlo! Carolina María de Jesús es una gran escritora y, como tal, siempre se hablará más de su obra. Como he dicho antes, los movimientos que realiza generan afectos de todo tipo. Sin embargo, afortunadamente, seguimos en la lucha por una sociedad en la que se combate cualquier tipo de exotización, reduccionismo, estereotipo u opresión. Es nuestro movimiento, como hombres y mujeres negras, el que logrará la disolución de tales prácticas. Es el reclamo por la implementación de políticas públicas alineadas con nuestras necesidades y la ocupación de los espacios de poder que reconfiguren el orden perverso que nos mata en todas las esferas. Sabemos que no podemos esperar concesiones. Tenemos que actuar, ser insumisos, como nos enseña Carolina María de Jesús. ¡Es urgente actuar!
Fabiana de Pinho, Mulher negra, Professora, filiada à Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Doutora em Literatura, Cultura e Contemporaneidade com pesquisa sobre literatura negro-brasileira de autoria feminina faz questão de afirmar que este texto inacabado foi escrito na companhia teórico-empírica de bell hooks, Grada Kilomba, Lélia González, Anny Ocoró Loango, Camila Daniel, Sueli Carneiro, Neuza das Dores Pereira, Fernanda Felisberto, Denise Brazão, Maria José de Pinho, Djamila Ribeiro, Bruna Stamatto, Cidinha da Silva, Conceição Evaristo, Selma da Silva, Regina Húngaro, Eliana Alves Cruz, Lia Vieira, Miriam Alves, Fátima Lima, Ana Cruz, Edmeire Exaltação, Bia Onça e muitas outras.